Quem é nelos?
Texto de Isabel Santa Clara, originalmente publicado em março de 2019 na Revista “Santa Faz”
António Nelos nasceu em Santa Cruz, em 1949, e aí passou a infância. A ida para o Liceu do Funchal, onde prosseguiu os estudos secundários, deu-lhe a oportunidade de contactar com o círculo de António Aragão e com outros jovens interessados em artes.
Expôs desenho pela primeira vez em 1966, na Galeria Mundus, com Humberto Spínola, e partilhou um ateliê com este e com Silvestre Pestana, Rogério Prioste e João Carlos Velosa. O grupo expôs em 1968 no Funchal e nos Açores, onde o jornal Glacial nº 14, de 13-7-1968 lhes concedeu uma elogiosa notícia: “António Nelos (o pintor pânico deste grupo pânico) mostra-nos o fogo da sua poderosa imaginação, revelando a coragem de não ter medo de assustar!” A assinatura K. é do poeta Carlos Faria, responsável por esta página cultural, que então se deslocava regularmente entre o continente e as ilhas e foi o impulsionador da ida da exposição aos Açores. Nelos praticava então uma pintura despojada de pendor surrealizante, que lhe valeu o 2º prémio de pintura no 1º Salão de Artes Plásticas da Figueira da Foz. A fotografia do trabalho premiado saiu na 1ª página do Glacial nº 17, a 13-9-1968[1].
[1] Disponível em https://karlosfaria.wordpress.com/2015/11/05/g04/#jp-carousel-527
As vicissitudes da situação política no Portugal de então, e a iminência da ida para a guerra colonial, levaram-no a exilar-se em Bruxelas, onde viveu entre 1971 e 1976 e fez estudos de serigrafia e de design gráfico.
Voltou à Madeira e concluiu o bacharelato em Artes Plásticas e Design no Instituto Superior de Artes Plásticas da Madeira, a licenciatura em Design de Comunicação na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa e fixou-se em Setúbal, onde exerceu funções docentes no ensino secundário até 2015.
Dividiu o seu labor criativo entre o design gráfico, de que é exemplo o cartaz que fez para 1º Salão de Artes Plásticas do Cine Forum do Funchal, em 1980[1], e a experimentação no campo da poesia visual, da electrografia (copy art), da arte postal (mail art).
Esta faceta é fruto do convívio com António Aragão, que reunia em torno de práticas experimentais um grupo dinâmico e interessado em alternativas aos meios e circuitos institucionalizados das artes. Colaborou com António Aragão, António Dantas e Eduardo Freitas, entre outros, nas edições de Filigrama, em 1981 e 1982, feita com intervenções em fotocópia, que entrou na rede internacional da arte postal.
[1] Disponível em http://purl.pt/8989
A eletrografia aproveita para fins artísticos as fotocopiadoras, dadas as suas características de reprodutibilidade, acessibilidade e baixo custo, tirando partido, entre outros recursos, da expressividade conseguida através de deformações, colagens, justaposições e baixa resolução, bem como de associações de texto e de imagem.
António Nelos desenvolveu a sua atividade criativa através desta técnica, usando como matéria-prima imagens recolhidas em jornais e revistas. As sucessivas fotocópias de fotocópias vão desgastando a imagem, mas aquilo que ela perde em nitidez ganha em efeito plástico. A indefinição da mancha e a intensificação do grão facilitam a integração de imagens de proveniências diversas, dando unidade ao conjunto.
Além disso, palavras e imagens estão em pé de igualdade e a seleção de temas decorre sempre se uma postura interventiva, de crítica social e política, a que não faltava o humor. Os elementos geométricos ou mecânicos mesclam-se indissoluvelmente com os orgânicos e com signos verbais, numa desconstrução/reconstrução decorrente da lógica da colagem.
[1] Este e os outros exemplos de poemas visuais do autor referidos no texto estão disponíveis em https://po-ex.net/taxonomia/materialidades/planograficas/antonio-nelos-visuaisdispersos/#more-2435
No campo da perfomatividade ficou-nos o registo de uma paródica Rêv-Loção, apresentada em Setúbal, em 1991[1]. Colaborou em diversas fanzines como ZUT! (Viseu, 1983, de que foi co-fundador), Xerolage, Wisconsin, 1986, e Lola-Fish nº 14, Mainvilliers, 1992. Desafiado a dialogar com um texto alheio, ilustrou o livro de Mário Passos Furtado, “Apenas as Mulheres”.
Participou, por vezes também como organizador, em numerosas e relevantes exposições em Portugal e no estrangeiro.
Dividiu-se também pela pintura, colagem, serigrafia, fotografia e arte digital.
[1] DIAS, O corpo como texto, vol.1 p. 405 e vol. 2, fig. 4.3.2.5.6.1 a 4.3.2.5.6.4.
Falecido em junho de 2018, não pôde já ver-se representado, assim como outros conterrâneos e amigos seus, António Aragão, Silvestre Pestana, António Dantas e António Barros, na exposição “Poesia Experimental Portuguesa”, na Caixa Cultural Brasília.
Deixou-nos, através do seu trabalho, um rasto de espírito crítico, irreverência, humor e capacidade de partilha, para o qual esta pequena homenagem pretende chamar a atenção, avivando memórias de uns e dando a outros a ocasião de começar a conhecê-lo.
Exposições Individuais
1975 - Galeria Livraria L’Oeil Sauvage – Bruxelas – pintura e desenho.
1983 - Composi/sons – colagem e montagem audio-visual, Galeria 22, Viseu.
1986 - Colagem e pintura, Casa de Bocage, Setúbal.
1988 - Electrografias, Fora de Moda, Setúbal.
1991 - Colagem e outras coisas, Galeria da Secretaria Regional do Turismo, Funchal, colagem e
electrografia.
2024 - Exposição retrospetiva póstuma “António Nelos - a imagem reinventada”, Casa da Cultura de Santa Cruz
Exposições Coletivas
1966 – Desenhos, Galeria Mundus (com Humberto Spínola) Funchal.
1968 - Pintura, Funchal (com Humberto Spínola, João Carlos Velosa, Rogério Prioste e Silvestre
Pestana, itinerante em Ponta Delgada e Angra do Heroísmo, Açores).
1968 - 1º Salão de Jovens – Pintura e desenho, Figueira da Foz.
1970 - Exposição - Cine Forum Juvenil, Teatro Municipal, Funchal.
1978 - Colectiva 6+uma, Teatro Municipal, Funchal.
1979 - I Colectiva de Alunos do ISAPM, Museu de Arte Sacra, Funchal, (desenho e colagem).
1980 - Art’Ilha, Teatro Municipal, Funchal (itinerante em Lisboa, Escola Superior de Belas Artes; Porto,
Cooperativa Árvore; Évora, Palácio D. Manuel).
1982 - Cultura Alternativa: Mostra de arte postal, Rio de Janeiro, Galeria de Arte do Centro Cultural
Cândido Mendes; Vizioni, Violazioni, Vivisezioni, Bondeno, Itália.
1983 - Poesía/83. Muestra Internacional de Poesía, Cuenca, Espanha.
1984 - Inter Dada 84. São Francisco (EUA); L'Insistenza del Segno, Milão,Teatro CTH.
1985 - 1ª Bienal Internacional de Poesia Visual e Experimental do México; Coisas de Setúbal e outras
coisas. Setúbal, Galeria Central; First Israel Mail Art Show, Janco-Dada Museum, Israel; Ritual & Ikon
Mailart Outdoor Show. Madison, Avant Garde Museum of Temporary Art, Wisconsin, EUA; The Joke
Project - 2nd International Mail Art & Music Exhibition, São Francisco, EUA, Martin Weber Gallery; I
Bienal Internacional de Poesia Visual y Experimental. Cidade do México, Galeria Zenzontle,1985-1986.
1986 - 1ª Muestra de Libro Objeto, Galería La Maquina Española, Sevilha, Espanha; An International
Mail Art Show - Images from South Africa. MEDIA Gallery, São Francisco, EUA, e itinerância pelo país
(1986-1988).
1987 - Mappe dell'Immaginario, Salerno, Itália; Mona Lisa Show, Ladek-Zdroj, Polónia.
1988 - II Encontro Nacional de Intervenção e Performance. Amadora, Galeria Municipal; Poesia: Outras
Escritas, Novos Suportes. Setúbal, Museu de Setúbal; 1.ª Exposição Internacional de Mail Art, Mercer
Gallery, Nova Iorque.
1989 - As colecções de Arte Contemporânea, Museu de Setúbal; Concreta. Experimental. Visual.
Poesia Portuguesa, 1959-1989, Bolonha, Paris (1990), Lyon (1991) e Poitiers (1992); Solidariedade.
1.ª Exposição Internacional de Arte Postal, Museu de Setúbal.
1990 - Copy Art: Electrographic Exhibition, Vila Nova de Gaia, Biblioteca Municipal; III Bienal de Poesia
Visual, Experimental y Alternativa, Cidade do México.
António Nelos – Dados Biográficos | 2
1991 - Electrografias, Casa de Bocage, Setúbal; Mail-Art Manual - Do viajante em Portugal, Heusden-
Zolder Cultuurcentrum, Bélgica.
1992 - 1.ª Exposição Internacional de Arte Postal de Matosinhos. Matosinhos, Câmara Municipal; IV
Bienal de Poesia Visual/Experimental, Madrid e México; N-eurovision. Giussano, Itália.
1993 - Exposição Internacional de Poesia/83 – Cuenca, Espanha; Encontros de Poesia
Contemporânea. Caldas da Rainha; Expo-Copy 93: exibição internacional de copigrafias, Galeria
Municipal, Matosinhos; Wor(l)d Poem = Poema Mu(n)do, Museu Municipal Dr. Santos Rocha, Figueira
da Foz.
1994 – Electroarte, Galeria Ara - Vala Comum Lisboa.
1996 - V Bienal Internacional de Poesía Visual, Experimental y Alternativa, México.
2002 - Imaginários de Ruptura / Poéticas Visuais, Instituto Piaget, Almada e Vila Nova de Foz Côa,
Sala de Exposições do Parque Arqueológico do Vale do Côa.
2005 - What is Watt?, Museu de Arte Contemporânea do Funchal e Forum da Maia, (2006).
2007 - Exposição copy art / mail art, Colecção de César Figueiredo, Sines, Centro Cultural Emmerico
Nunes; Homenagem a Artur Pestana Andrade, Teatro Municipal Baltazar Dias, Funchal.
2008 - Horizonte Móvel – Artes Plásticas na Madeira 1960-2008, Museu de Arte Contemporânea do
Funchal, Fortaleza de São Tiago.
2010 - Linguagens D’Escrita(s) - Poesia Experimental do Arquivo Fernando Aguiar. Abrantes, Biblioteca
Municipal António Botto e Galeria Municipal de Arte; Linguagens Visuais na Poética Internacional - XV
Mostra Internacional de Poesia Visual, Bento Gonçalves - Rio Grande do Sul, Brasil.
2011 - Lonarte (3ª fase), Bienal de Arte Pública, Calheta, Madeira; Colectiva#8, Galeria dos Prazeres,
Calheta, Madeira.
2016 – ReAnagramas, Festival Silêncio. Lisboa, Galeria Municipal da Boavista.
2018 - Poesia Experimental Portuguesa, Caixa Cultural, Brasília.
Publicações
PENSA-DORES, 1981; Olho por olho dente por dente, 1987; In nomine pater; Protocolo; Pravda,1993;
Genocídios 1, 1995; Lugares de assento. Polí(p)tico Satírico, 2002; Novos Lugares de Assento.
Polí(p)tico Satírico, 2003 (edições do autor); 25 Poemas Visuais, Lisboa, Editora Vala Comum, 1993.
Participação em publicações
Colaborou em Filigrama 1 e Filigrama 2 (1981-1982). Foi co-fundador da revista Zut! (Viseu, 1983).
Integrou a publicação Xerolage nº 5. (Wisconsin, E.U.A., Xexoxial Editions (1986), Lola-Fish nº 14
(Mainvilliers – França (1992). Ilustrou o livro de Mário Passos Furtado, Apenas as mulheres: Recados
com imagem, imagens com recado, Lisboa, Chiado Editora (2016). Participou em diversas publicações
de César Figueiredo como 69 Livros ANALgésicos (1995), what music for east timor? (1999) e toner's
brotherhood: worm productions (2002 e 2003).
Performance / videopoesia
1987 - EGO EGO, vídeo com António Dantas, 1º Festival Internacional de Poesia Viva, Figueira da Foz;
Marca-Madeira 1987, Funchal; Amadora, 1988; Instituto Alemão, Lisboa; Cooperativa Árvore e Casa
de Serralves, Porto.
1988 - Rêv-Loção, performance apresentada no encerramento da exposição Poesia: Outras Escritas,
Novos Suportes, Museu de Setúbal, Convento de Jesus.
1988 - Performarte II - Encontro Nacional de Intervenção e Performance, Galeria Municipal da Amadora
(org. Fernando Aguiar).
Design
Projecto e montagem da exposição Funchal — ontem e hoje, (coord. António Aragão),1980. Criação de cartazes e de novo símbolo para o Cine-Forum do Funchal; logótipo para a Direcção Regional de
Assuntos Culturais e cartazes para esta instituição, para o Serviço Regional de Protecção Civil, para a
Câmara Municipal de Setúbal, para diversas exposições e para intervenções activistas; branding
empresarial. Participação na VI Bienal Internacional de Vila Nova de Cerveira - Design Gráfico, 1988.